A esfinge raspada
Uma urgente recuperação da memória de Gustavo Corção
Pedro Paulo Alves dos Santos
Na antiga sociedade egípcia, como em outras culturas arcaicas, em contexto de grande perturbação social e religiosa, era mister a desfiguração da representação social iconográfica de um dirigente ou líder militar que caíra em desgraça.
Tratava-se de uma operação política realizada pela oposição vencedora. A ‘Esfinge raspada’ representava a tentativa bem sucedida de eliminação do poder indesejável a alguns, como também tirar da memória do povo a figura, a história, os valores de um determinado dirigente. Era uma forma de banimento da esfera pública daquele personagem, de obstrução do direito à memória coletiva. No Egito este gesto também selava o poder sobrenatural daquele dirigente, através da evocação diante da esfinge.
Os gregos, por exemplo, submetiam ilustres cidadãos ao exílio através da nomeclatura do ostracismo, isto é, o banimento de um sujeito público da democracia ateniense.
Uma punição ante-mortem. O ostracismo ou "limbo" em vida de qualquer um que incomodasse de tal modo a coletividade a ponto de merecer o apagamento ou cancelamento de sua presença e portanto, de sua memória ("Quem não é visto, não será recordado"). Esta punição era oficial, exequida através do voto de uma assembléia ateniense.
Mas em que nos interessa tal metáfora?
Gustavo Corção (1896-1978), um personagem destemido em sua pena e idéias sofrerá, antes de seu decesso, a condenação e o banimento da memória intelectual brasileira moderna. Ele será expulso do pânteon brasileiro, como jornalista, escritor e mesmo do ambiente católico "de esquerda" que se impunha paulatinamente a partir do fim dos anos 60.